Como é sabido desde a antiguidade, um dos Reis Magos era um faquir praticante. Claro que vamos manter a sua identidade em segredo, já que este seu inofensivo hobby provocou um dos atrasos mais conhecidos da história da humanidade.
A verdade é que o Rei XXXX foi iniciado às práticas de faquir desde tenra idade. A tolaria, como dizia a sua mãe, veio do tio XXXX que lhe mostrou pela primeira vez as delícias de uma cama de pregos no seu sexto aniversário. Claro que, como em todos os hobbys, o vício foi crescendo e os simples pregos já não lhe chegavam. Era normal o Rei XXXX participar em convenções onde experimentava outras modalidades deste hobby. Deitava-se em cactos ou vidros partidos, esfregava-se em tábuas sem lixar e até adorava fazer passeios nu por campos de urtigas. Sim, imaginem uma convenção de faquir magrelas a passearem-se nus (apenas com o turbante) por campos verdejantes de urtigas. A imagem é tão rica que foi inúmeras vezes pintada por grandes artistas da época, pedaços de arte que infelizmente não resistiram aos tempos.
Rei XXXX estava tão imbuído em ser faquir que na verdade já não conseguia dormir em camas normais. Nem no chão frio e gelado do quarto mais miserável do palácio. Por isso tinha uma impressionante e variada colecção de camas com as mais variadas superfícies. Era vulgar receber visitas de ilustres mestres faquires para conhecer a sua colecção, mas a colecção brilhava quando a revelava às suas visitas ditas normais. Aí o Rei XXXX, quão missionário, pregava a beleza e delícia de ser faquir junto dos seus convivas que entusiasmados lhe faziam perguntas de todo o género. Dá para dormir de lado? Dá muito trabalho manter os pregos afiados? Como é fazer amor nestas camas? Este tipo de camas tem ácaros? Como é que se livra da ferrugem? Etc.
Então certo dia e sabendo da proximidade de um grande acontecimento que iria envolver uma grande viagem com os seus dois grandes amigos (não faquires), o Rei YYYY e o Rei ZZZZ. O Rei XXXX resolveu preparar um novo saco-cama que lhe fosse minimamente agradável. Experimentou vários modelos e ficou notoriamente admirado pela qualidade de um que, segundo o vendedor, vinha de longínquas terras do norte. O interior deste saco-cama era composto por aquilo que se chamava de studs, pequenos altinhos redondos que apesar da sua aparência suave, lhe proporcionavam extrema qualidade de sono. Apesar de não ser tão delicioso como uma banheira cheia de limalhas de ferro, a verdade é que era um saco-cama prático e que depois das habituais 8 horas de sono, deixavam-lhe agradáveis marcas no corpo que prazerosamente permaneciam durante o dia inteiro.
Sendo assim, o Rei XXXX preparou a sua bagagem com os seus pertences e a sua peça de colecção mais recente, um saco-cama de studs.

O Saco-Cama by
Luis Baixinho, on Flickr
Pois, como devem imaginar e como acontece sempre nas grandes viagens. As bagagens foram trocadas e apesar de ter conseguido recuperar a prenda (ah, pensavam que ia dizer qual era a prenda para poderem identificar o infeliz!!!) e algumas roupas, a verdade é que nunca mais viu o saco-cama. Como um mal nunca vem só, visitou todas as lojas no centro de camelagem mas não encontrou nenhum saco-cama apropriado para a sua forma de dormir. Ainda comprou um normal que o encheu de gravilha e vidros partidos de uma garrafa que o Rei YYYY emborcou para comemorar a partida. Ainda assim e durante toda a viagem não houve uma única noite em que conseguiu dormir bem. Acordava várias vezes durante a noite o que depois provocava os mais variados atrasos na partida matinal. Além de que era normal acabar por dormitar durante a viagem o que por vezes causava situações confrangedoras e que aumentavam ainda mais o atraso.
Esta foi a real causa do famoso atraso dos Reis Magos que, como grandes amigos que eram, nunca revelaram para não por o Rei XXXX em causa.
EDIT: Alterado o link da foto